quinta-feira, 12 de abril de 2012

Os dois lados da moeda

Sempre quis me tornar um herói. Servir o país, ser um soldado, lutar por minha pátria! Sempre quis mostrar meu valor, poder fazer com que as pessoas olhassem pra mim com orgulho, e não com o desprezo de sempre. Não ouviria mais insultos, não seria mais humilhado. Muito pelo contrário: seria, enfim, respeitado!

O estouro iminente de uma guerra era anunciado aos quatro ventos, todos estavam temerosos com os possíveis ataques aéreos, preocupados se suas vidinhas fúteis e sem sentido chegariam ao fim.

Por outro lado, eu estava extasiado! A carta de convocação havia chegado à minha casa, e embarcaríamos para o país inimigo na semana seguinte.

Festas, desejos de boa sorte, encorajamentos e muita ansiedade antecederam meu embarque. Chegava à minha caixa de correios dezenas de mensagens de apoio. Porém, uma das cartas me chamou muito a atenção. O papel continha apenas a seguinte frase:

O herói não é herói aos olhos do vilão.”
Não fazia sentido pra mim, mas ainda assim foi a única frase que lembrei entre tantas outras de todas as cartas que li.
Havia chegado a hora de partir. Muitos outros rapazes se juntaram a mim, e entramos no avião rumo ao nosso destino. Sentia-se no ar a morbidez e o medo exalando dos poros de cada um. Estaríamos mesmo prontos para abdicar de nossas vidas? A resposta já não tinha valor algum. Não era mais possível voltar.
Foi então que caiu a ficha.

Logo no primeiro dia, nas linhas de frente, senti na pele o verdadeiro medo e desespero. Não existia mais estratégia. Era uma luta árdua para se sair vivo, ainda que isso tomasse a vida de um aliado seu. Vi vários soldados sendo usados como escudo por outros que estavam exatamente ao seu lado. Todos perderam a noção de tudo; era visível que não estavam preparados para tudo aquilo.

A guerra havia começado para nós. Rajadas de tiros e explosões de granadas e canhões atordoavam-me; não se conseguia ver ou ouvir ninguém; era uma luta cega, onde luzes e estrondos davam ar de espetáculo ao inferno que ali presenciava.

Algo explodiu muito perto e fez muitos de nós cairmos, inclusive eu. Ouvia as balas passando muito perto, zunindo e batendo em coletes e capacetes. Gritos de dor era a sinfonia do momento. Tentei levantar, mas uma nova explosão me jogou alguns metros de distância de onde eu estava.

Era difícil ficar de pé. Reunindo minhas forças, levantei-me novamente. Ao meu redor, a guerra continuava. Bombas explodiam a todo o momento; testemunhava meus amigos lutando desesperadamente por suas vidas. Perto de mim, sangue jorrava para todos os lados. Estava atordoado, sem saber exatamente o que fazer ou o que pensar. Nunca passara por um momento tão terrível anteriormente.

Vivenciando aquilo tudo, senti o ódio subir em mim. A loucura passou a tomar conta de toda a minha consciência. Todo aquele caos havia me tirado a sanidade! Já não havia importância alguma em tentar se esconder ou se lançar ao ataque. Algo em mim já sabia que não haveria mais volta...

Então, segurando lágrimas e granadas, lancei-me às linhas inimigas. Correndo o mais rápido que podia, ouvia gritos e tiros. Um dos tiros, aliás, raspou meu braço, enquanto outro acertou minha perna. Caí imediatamente. Tomado pela dor e pela intensidade do que sentia, coloquei-me de pé com dificuldade e continuei minha trajetória.

Quando vi que já não havia mais como avançar, uma vez que me sentia muito cansado e a dor já me corroía o equilíbrio e o ímpeto, acionei as granadas e as joguei com toda a força que pude em direção aos que me faziam frente naquele momento. Eu já estava morrendo, mas ao menos um deles eu levaria comigo. Essa era minha obsessão.

Ainda consegui ver o estrago que fiz antes de sentir tantas outras rajadas de bala atingir meu corpo. Percebi ali que nada mais podia fazer.

Num último momento de lucidez, pensei na frase daquela carta que recebi. Ponderei se tinha sido realmente válido lutar por uma pátria que jamais lutou por mim. Tudo que tive na vida conquistei com dificuldade. Nunca me deram uma educação decente, um hospital de qualidade! Agora pediam para que eu guerreasse para trazer a paz à nossa pátria.

Engraçado, não?! Nós estávamos em paz. Os inimigos também. Mas de repente, quando se soube das riquezas que a terra invadida tinha, brotaram terroristas e malfeitores daquela nacionalidade.

Como pude ser tão burro? Estava na cara! Nosso governo dizia que deveríamos vencer porque os outros é que faziam o mal, que eram ruins. Esses, porém, é que tinham seu país invadido e estavam sendo expulsos de suas casas; tinham seus filhos mortos e mulheres estupradas. Quem era o mau, afinal? Por que estávamos ali, mesmo? Infelizmente, já não importava mais pra mim nem para todos os outros que ali estavam.

Quando a guerra começa, os propósitos primários são esquecidos e se luta unicamente por sua própria sobrevivência. Àqueles com sorte, a morte os espera. Aos menos afortunados, os fantasmas e lembranças daquele dia os perseguiriam até onde suas sanidades aguentassem, ou mesmo além.

Por fim, a luz. Mais uma explosão, menos um soldado.

E o que fica?

Para a família: uma medalha.
(medalhas não estancam dor)


Para o país: menos um pião no tabuleiro.
(“Perdemos muitos homens. Vamos refazer o planejamento”)


Para mim: a desilusão e a certeza de que heróis não existem.


(Acaba aqui a epopeia de um tolo que comprou mentiras acreditando adquirir verdades)

2 comentários:

  1. Alexandre ,
    gosto bastante da sua escrita .
    Voltarei .
    Entretanto agradeço a sua visita e palavras .

    Quero dizer só mais uma coisinha ... herói , para mim , é aquela pessoa que luta com os seus medos e dragões , a fim de se conhecer o mais profundamente possível .

    Um abraço

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  2. Volte sim Alexandree, estarei te esperando. Sinta-se á vontade e obrigada. :D

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