segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Velhas redescobertas de novas (des)ilusões


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A chuva simplesmente não quer parar. Parece querer virar tempestade, causar um dilúvio. Não duvido nada se me engolir inteiro só pra me fazer parar de reclamar. Meu cigarro permanece aceso entre meus dedos. Por um momento, quase deixo queimar para sentir dor.

Dor.

Eu não sei mais ao certo o que essa palavra significa. Talvez tenha levado seu significado ao extremo e agora não consigo entender seus porquês. Talvez uma dor a mais me ajude a estancar todas as outras que tenho sentido. Sinto o torpor em minha mente aumentar, e talvez seja hora de deixar esse copo vazio encostado por algum tempo, ou de acabar de uma vez com este maço. Mas essas lembranças continuam a me torturar, parecem não querer desistir. Elas são fortes e estão lutando com tudo o que tem. Talvez, se eu beber mais, eu as afugente. Talvez, se eu fumar mais, eu as aguente.

Mas nada que dure até o fim da noite.

Vou ficar rolando na cama buscando a paz que foi embora, buscando uma solução para cada problema, mas, na verdade, vou achar mais argumentos para sustentá-los. Eles não nasceram comigo, porém nunca vão me deixar. Logo eu, que sempre fui o certinho, que sempre tive o que quis e que sou respeitado por tantas pessoas. É tão engraçado ser reconhecido por todos e não se reconhecer em frente ao espelho... Quem sou eu? O que eu quero, afinal?

Perguntas.

Os questionamentos passavam por mim a todo o momento. Não sabia o que devia fazer, não sabia como agir. Talvez fugir. Sim, fugir seria uma solução. Mas para onde? Sair por aí sem rumo e deixar tudo para trás? Eu não posso deixar tudo para trás, o que irão pensar? Vão me julgar! Estão sempre me julgando, eu não sei para onde ir... Todos esses pensamentos estão fazendo minha sala girar. Se não me segurar em algo, vou cair nesse abismo cheio de indecisões no fundo. Tento andar, mas minhas pernas parecem não querer atender. Têm vida própria. “Você não vai para nenhum lugar!”, dizem.

Até meu corpo se voltou contra mim.

Mas o que eu poderia fazer? Como, depois de tantos anos, meus olhos foram voltar a brilhar por alguém? E logo por ele... Por ele! Não me entra na cabeça algo racional para explicar isso tudo. Como podemos gostar de alguém sem nem sabermos por qual motivo?! Não há nada que me atrai, racionalmente falando; tudo só me afasta, me dá nojo. Entretanto, tenho passado todos os dias com os pensamentos fixos em encontros imaginários. A minha vida é repleta de “e se”...

E se eu corresse para os braços dele, sem ligar para os outros? E se eu fugisse daqui, da noite para o dia? E se deixasse minhas roupas, meus livros, minhas lembranças para trás?

E se eu acabasse com tudo isso agora?

 
Acho até que seria uma boa saída. O copo acidentalmente quebra e por pura falta de sorte me corta o pescoço. Algum infortúnio sem sentido faz a faca deslizar pelos meus pulsos fazendo um corte profundo, tão profundo quanto a minha confusão, a minha dor, a minha raiva. Não sei.

Talvez seja insano demais. Como ela iria ficar? Como iria se sentir? Não consigo nem imaginar o tamanho do desespero que tomaria conta dela.Talvez insistisse e tentasse me convencer de minha maluquice. Mas, mas... E ele? Ele não é invenção... É real, e posso senti-lo só de fechar os olhos.

Aliás, ficar de olhos fechados é o que tem me tirado do chão. É impossível não lembrar de seu sorriso, da paz e da segurança que sinto ao seu lado, da facilidade que tem de me arrancar sorrisos, da saudade que urra dentro de mim logo depois que o vejo passar por aquela porta, quando o vejo entrando naquele carro e indo sem rumo para lugar nenhum. E o vazio que fica nas horas seguintes. A tristeza que me abate e que não consigo esconder. E vejo ela fazendo de tudo pra entender o que está se passando. Eu a vejo se esforçando ao máximo pra me fazer feliz. Eu estou desgastando tudo isso. Eu estou acabando com algo que por tanto tempo prezei, zelei, cuidei.

Eu estou acabando comigo.

Como tenho me segurado para não jogar tudo isso para trás. Para simplesmente pegar em sua mão no meio de todos e dizer o quanto o quero, o quanto o desejo, o quanto esse amor cresceu dentro de mim. Droga, esse é o último cigarro. Mas como sair daqui sem ao mesmo ter certeza que não vou te procurar? Por que você teve que ir para essa viagem? Eu estou aqui precisando de você, precisando de toda atenção que só você pode me dar. Talvez eu pudesse te ligar e dizer tudo que eu sinto, tudo que está guardado aqui. Mas não posso. Não posso estragar seu momento. Você deve estar se divertindo, deve estar vendo tantos lugares novos, pessoas novas. Sentindo coisas novas. Tenho certeza que você está bem.

E só de pensar nisso, você já me faz sorrir. Me sinto tão tolo quando me lembro de você! Mas também me faz sentir uma ponta de inveja, afinal você não pode compartilhar esse momento de felicidade comigo e tudo que eu quero é dividir tudo isso com você. Talvez eu devesse seguir seu exemplo. “Tenta esquecer tudo isso, porque você só está confuso”. “Todo mundo passa por uma fase assim”. “O que seria do amor sem uma paixão aqui e ali?”

Sua voz parece ecoar. E vai aumentando, cada vez mais. Tomando conta de mim. Quero gritar, mas acho melhor ficar quieto. Se ela acorda, lá se foi meu momento sozinho, no qual posso me afogar no Ballantines e devanear com um pouco mais de você, seco e com gelo. Quente. Forte. Prazeroso.

Cadê aquele maldito copo?

Aliás, cadê meu sono? Cadê minha satisfação no emprego, no casamento, nos passeios de sábado, nos planos por uma família maior, nas noites que, antes quentes, só me fazem tremer?

De medo. Não sei se estou ali porque quero ou porque devo. Não acho justo fazê-la sofrer também. Preciso achar uma saída, tomar de vez uma decisão. A morte seria uma decisão acertada. No entanto, quem deveria morrer? Eu? Ela? Ou quem me assombra?

Todos.

Todos deveriam morrer, assim acabávamos de vez com essa palhaçada. Talvez assim eu seria feliz. Finalmente conquistaria a tão falada paz eterna. Paz interior. Tirar de mim, de uma vez por todas, essa agonia.

Os trovões lá fora estão fortes. A chuva faz tanto barulho que não dá pra ouvir nada, nem mesmo súplicas por ajuda ou gritos agonizantes de dor se fariam audíveis nesse momento.

Sei que não estou pensando de forma coerente. Mas não terei outra chance dessas! Indefesa, dormindo. Nem vai saber o que aconteceu. Vai ser tranquilo, um conforto para ambos. Encontro dificuldades pra caminhar, tudo está rodando. Preciso me equilibrar, preciso me equilib...

Droga.

Droga de mesa de centro de vidro, droga de sala fazendo ciranda, merda de copo cortando minha mão. Espera, o que você faz aqui?

- Meu Deus, você se cortou!
- Queria ter cortado você.
- Do que você está falando? Espera, você estava bebendo?! Você nunca bebe! O que está acontecendo com você? Por que seus olhos estão mareados?
- PARA! CHEGA DE PERGUNTAS! Eu não tenho as respostas, eu não tenho nada. Eu sou um nada.
- Você tem a mim! Deixa eu te aj...
- EU NÃO TENHO NINGUÉM! Não tenho você há semanas, pare de se enganar.
- Você está bêbado, e precisa de um médico para essa mão, vem cá.
- Quem é você para saber do que eu preciso? Se soubesse me faria feliz!

Não entendo porque ela continua se aproximando. Olha quantos cacos no chão! E se eu pegasse esse aqui e...


Oh não. Não! O que eu estou fazendo? Quanto sangue! Merda! Não tô me sentindo bem... Estou meio tonto, as plavrs noa querm siar...

Que luz estranha é essa? Esse lugar não é confortável e o cheiro não me agrada. Onde estão meu cigarro e meu copo? Eu sinto como se o mundo tivesse caído sobre mim. Minha mão enfaixada, minha cabeça pesada. Espera, eu conheço esse lugar... mas o que estou fazendo num hospital?

- Que bom que você acordou. Fiquei preocupado quando soube do que aconteceu. Por que fez aquilo?

As palavras simplesmente fugiram. Ele está aqui, ao meu lado! Estava cuidando de mim esse tempo todo, seja lá quanto tempo faz que estive dormindo! Quanta felicidade transborda em mim! Mesmo nesta situação deplorável, seria capaz de me levantar só pra me jogar em seus braços!

- Sua mulher disse que você bebeu. Você nunca foi disso. Por que, agora? Do que você quer se esconder?

Tantas perguntas. As mesmas que eu ficava tentando responder todos os dias. Por que ele simplesmente não vem aqui me abraçar? Continua sentado ali apenas me olhando. Ele podia me contar de sua viagem, talvez me entregar o presente que comprou, aposto que comprou algo que eu vou gostar.

Vai ser agora.

- Eu comecei a beber por sua causa.
- Minha?
- Sim. Não consigo mais parar de pensar em você, não consigo mais viver sem sentir seus braços me envolvendo, sem sentir sua presença ao meu lado! Eu te...

Quando finalmente tomo coragem para dizer tudo o que eu sinto, minha mulher abre a porta, acompanhada de um belo rapaz. A cara dela não é das melhores... Será que ela estava ouvindo?

Quer saber? Não importa mais. Não vou continuar escondendo meus sentimentos, não vou mais ser alguém que não sou!

- O que você estava falando??? - Indaga minha mulher.
-  Dizia o que há tempos já queria dizer. Não quero mais nossa vida! Não quero mais nós dois! Eu não consigo mais parar de pensar nele. — Digo, apontando para a única pessoa que me faz ter vontade de viver. E continuo: — Eu o amo! Não dá mais pra ficar noites e noites em claro querendo negar isso. Não vai passar, não importa quantas garrafas de whisky eu beba!

- Você ama o meu marido?

Silêncio. Essa voz é do rapaz que entrou com minha mulher. Marido? Não pode ser! Não pode ser! Mas e aquele momento maravilhoso que passamos? Não foi nada pra ele? Fui apenas um amor casual???
Nada mais está saindo da minha boca. Tento falar, e engasgo. Tento de novo, e desisto. Vejo minha mulher afundar o rosto em suas mãos, num soluço descompassado, enquanto caminha para fora do quarto. Não sei por que, mas tenho certeza que ela não vai mais voltar. Eles seguiram o mesmo rumo, sem olhar para trás. Talvez eu não seja digno nem de piedade.

- Não vá... Não...vá.

A chuva cai fortemente lá fora, simplesmente não quer parar. Parece querer virar tempestade, causar um dilúvio. Não duvido nada se me engolir inteiro.

Dessa vez, bem que poderia.