Eu sei que cartas já são algo um tanto fora de moda, mas foi
a única forma que encontrei pra te contar o que vou falar agora. E-mail é
rápido demais, você poderia responder na hora, e telefone nem pensar. Pelo
menos eu sei que estarei longe quando estiver lendo isso.
Você deve estar se perguntando por que eu saí sem falar
nada, assim, da noite pro dia. Mas já te falo, é mais difícil do que você pensa! Esse
ambiente todo tava me sufocando, e eu já tava me desesperando! Os anos
estão passando e minhas chances pareciam diminuir! Se eu não seguisse meu
coração agora, quando o faria? Aos 70, 80? Eu estou ficando velho, mano. Você não
sabe como é sentir que sua vida tá passando e que tudo já tá chegando na época
dos “tarde demais”. Não quero que seja tarde demais para fazer nada. Não quero
me prender e depois me arrepender! Entende?
Você deve estar pensando em como vai pagar as coisas
aí, afinal eu dividia as despesas do apartamento. Seguinte: hoje eu depositei
uma grana pra cobrir esse mês e o próximo. A partir daí é certeza que você já
arranjou as coisas por aí. Sabe quem tava procurando um quarto pra alugar? O
Luís! Tenta falar com ele, porque ele tava afim de morar mais perto da facul
sem gastar muito, e ele é gente boa, você sabe. Duvido que ele não vai
aceitar.
Sei que você vai ficar (já deve estar) todo preocupado comigo, principalmente depois que ler o endereço de onde estou mandando esta carta. Mas fica calmo, eu tô tranquilo e já tô trabalhando em uma lanchonete aqui. Sei que não é aqueeeele emprego que pedi a Deus, mas é o que me sustenta até eu arranjar dinheiro pra sair por aí de novo. Sabe como é né?! Eu canso rápido das coisas.
Comecei a estudar por aqui também. É uma escola de idiomas,
só que grátis, e só tem estrangeiros também. É bem legal! Sou o único
brasileiro lá, e tem gente da França, África do sul e uma australiana que é
melhor nem imaginar... hahaha! Uma deusa grega, só que da Austrália! Hahaha...
Vou ver se puxo uma ideia com ela de ir tomar uma breja ou qualquer coisa
assim... vai que ela cai na minha?!
A casa que eu tô... não é bem uma casa. É tipo um quartinho
com banheiro e uma mini-cozinha, mas tô na paz. Tem uma vista bem legal da
janela, é um parque muito bonito com um lago bem no meio. O sol da tarde bate
bem na minha cama, e como aqui é verão e escurece só às 22h, fica difícil
dormir. Preciso comprar uma cortina, porque o lençol é muito fino e não tapa
sol nenhum.
Disseram que em dezembro fica bem frio e com bastante neve por aqui. Vai ser a
primeira vez que verei neve! Mas antes vou ficar esperando um monte de folha alaranjada no
chão, tipico do outono. O parque daqui da frente vai ficar incrível! Só por precaução, já comprei uns
casaquinhos baratos . É muito barato as coisas
aqui! Se eu voltar, te levo umas lembrancinhas!
Se eu voltar. Voltar. Nossa, doeu um pouco pensar nisso. Sei
lá, talvez seja um pouquinho de insegurança de ter deixado tanta coisa pra
trás... Bom, eu que escolhi vir pra cá, né? Então bola pra frente!Bom, é isso, cara. Não fica bravo comigo, mesmo porque eu acho que você já sabia que eu estava indo embora. Você sempre sacou o que acontecia comigo. Sempre deu conselhos ótimos, sempre soube o que dizer, sempre foi maduro e equilibrado, e talvez seja por isso que eu estou te dando satisfações, entendeu?! Porque eu sei que você vai me entender. Só você me entende às vezes, e olha que nem eu me entendo bem! Hahaha
Fica na paz, amigo.
É nóis,
Henrique.PS: como sempre, enchi a carta de selos porque eu nunca sei quantos precisam pra que isso chegue no destinatário. Desculpa aí.