Os pedaços de papel no chão dessa cidade imunda ainda são
pouco para que eu (d)escreva o que agora sinto. É como se nada conseguisse
traduzir toda a lava que minha mente em erupção cospe. É possível ver a névoa
na qual me encontro em toda minha angústia a quilômetros de distância.
Venho procurando maneiras de curar minhas asas que já não
fazem nem minha imaginação voar. É como se precisasse renascer para trazer nova
cor ao cinza dos meus olhos, por mais que seja apenas o reflexo desse céu que
insiste em chorar e esfriar minhas já escassas tentativas de manter aquecida a
esperança.
Enquanto isso, perambulo ladeira abaixo. Pessoas vêm e vão. Esbarram
em mim — sou invisível. Mas nem me dou ao trabalho de me revoltar. Elas não vão
voltar, nem se virar, nem se desculpar. Xingam baixinho e seguem, cegos.
Os pensamentos insistem em não levantar voo e, tentando
êxito, tropeço. Caio. Estilhaço-me. Coração em mãos: não posso perder nenhum
pedaço meu! Tateio as proximidades e recolho o que de mim não foi levado pelas
lágrimas ácidas que caem das nuvens. Névoa à minha volta, por toda parte. Não acho mais nada, e me perco.
Mas toda essa lamúria só será mais um pedaço de papel na rua.
Mais um pensamento sem-teto para que cegos esbarrem, chutem, desapercebam. O
vulcão já adormece, cansado de destruir o que me contorna, tornando temerosa
minha presença. Irônico pensar nisso, quando me vejo indefeso e incapaz de
machucar a mim mesmo. A não ser por palavras.
Ah, as palavras. Elas, só elas, me levam ao céu.
Cinza. Como os olhos. Como o dia.