Eu ainda guardo conversas nossas dos tempos em que nos
conhecemos e dos tempos em que éramos completamente conectados. Nos dias
passados em que um completava o pensamento do outro. Acho que você também deve
se lembrar disso.
Em meio a infinitos sentimentos, desvendávamos mistérios e
desafiávamos a realidade. Encarávamos nosso próprio mundo. Fazíamos histórias e relutávamos a terminá-la
apenas para não dar fim às vidas de nossos personagens, que então já se
tornavam os nossos favoritos.
Quando saíamos, seus cabelos brilhavam ao sol. Seu aparelho
dava um toque inocente ao sorriso que sempre dava após qualquer piada boba,
ou após eu perder as palavras quase todas as vezes em que o azul-céu de seus
olhos me encarava.
Você me quebrava de maneira tão simples! Me desestabilizava,
me tirava o chão e me levava às nuvens. Perdi as contas das vezes em que me
pegou sonhando acordado enquanto contávamos estrelas, deitados na grama de seu
quintal. Nesses momentos, era como se fôssemos os únicos habitantes desse
planeta.
E o mundo parecia tão pequeno.
O tempo não parecia ter fim.
Hoje, quando vou aos nossos pontos de encontro, ainda tento
encontrar seu rosto em cada pessoa que passa por mim. Ao olhar pro céu, vejo
que está quase do jeito que a gente se acostumou a vê-lo.
Quase.
Agora percebo que a beleza de tudo se foi junto contigo. Passaram-se
anos, e só consigo pensar que o brilho das estrelas era, na verdade, o reflexo
de cada parte de seu aparelho. Você sorria, as estrelas brilhavam. Você me
olhava, a lua se enchia. Você me abraçava e eu implorava para noite não ter
fim.
Seu exemplo está em todo lugar. Em mim, por inteiro. Tento
ser mais calmo, mais alegre, viver com mais leveza, enfim. Assim como você
fazia. Assim como tantas vezes você me sugeriu viver. Seus dias eram pluma,
enquanto eu, cinza e pesado, trovejava o stress do trabalho e da rotina. Então nos víamos, e você me inundava com sua
simplicidade.
E tudo passava.
E sempre antes de ir embora desses mesmos lugares, dou mais
uma pequena olhada para todos, numa esperança ínfima de você estar ali, na mesa
ao lado, lendo seu livro favorito. Perdoe minha memória, mas qual era mesmo?
Lembro do seu jeito entusiasmado de falar sobre as obras de Zusak e de
Hosseini, mas sinceramente não lembro qual delas te fazia voar mais alto.
Em meus caminhos para casa, sinto de perto a sua falta. Ela
faz silêncio todos os dias, e me faz viver essa irrealidade na qual perco o
senso do que é memória e do que está de fato acontecendo. Preciso, de vez,
entender que você não está mais aqui.
Afinal, essa foi a sua escolha.
Você resolveu ir. Era indomável, quem poderia te segurar? Você
quis, e não houve ninguém que pudesse se por à sua frente. Essa sua
personalidade foi o que sempre me chamou mais atenção em ti. Se você queria
algo, simplesmente ia e fazia acontecer. Só é uma pena que as coisas tiveram de
terminar dessa forma. Logo para ti, pequena rosa vermelha.
Você gostava de rosas, né? Trouxe essas para você. Quantos
anos você faria hoje?
Já nem sei mais. Talvez seja melhor eu ir embora. Deixarei
as rosas encostadas em sua lápide.
Até algum dia, quem sabe.