Convidei-o para beber comigo. Ele então começou a contar um pouco da sua história. Disse que não tinha casa certa, e que muitas vezes dormia ao luar. Perguntei-lhe como ele conseguia sobreviver daquela maneira, e a resposta não poderia ser mais esclarecedora:
“Cara, esse negócio de sobreviver é muito relativo daquilo que você espera da vida. É tão simples e fácil ser feliz que às vezes fico rindo à toa daquela galera que insiste em se matar porque não passou na faculdade ou porque tomou um pé na bunda de alguém. Uns tantos ficam doidos buscando dinheiro, enquanto outros enlouquecem por ter grana demais. Agora me fala uma coisa: isso é felicidade? Seu objetivo também é se enjaular nesse tipo de vida tão manjada? Porque, fala sério, pra mim é muito pouco acordar, trabalhar o dia todo, voltar pra casa, dormir, e fazer o mesmo no dia seguinte, e no outro, e no outro...
Prefiro o mundão como minha casa, e não ligo se haverá teto
hoje ou não. Olha só o céu, ó que estrelas lindas? Pra que um teto? Pra me
privar de ver isso tudo aí? Não, não... Prefiro do meu jeito. Conheço gente
nova todo dia, toco minha música, e de quebra ainda ganho uma graninha com
isso. Não é muito, mas dá pra sustentar meus vícios e pagar a comida. Pode ser
pouco pra você, mas pra mim é o bastante.”
Aquilo me atingiu como um tiro. Por um tempo, viajei
naquelas palavras. Percebendo minha distância, o rapaz agradeceu o drinque e
voltou a tocar seu violão:“I didn’t mean to hurt you.
I’m sorry that I made you cry.
I didn’t want to hurt you,
I’m just a jealous guy...”
Just a jealous guy. Ele... ou eu?
--//--Sentado ali perto, estava outro senhor, bem vestido e de boa aparência, que ouviu a toda a conversa que tive com o rapaz músico. Deu um último gole em sua bebida e virou-se para mim, dizendo em bom tom:
“Escuta, esse cara é doido! Você ouviu as merdas que ele
falou?”. E continuou:
“O que você acha de tudo isso? Até parece que ele consegue
viver uma vida sozinho, sem sonhos, sem destino, sem almejar chegar a lugar
algum! O que é que nos move, senão nossos objetivos, nossa vontade de ir sempre
mais longe? O que é que nos dá mais prazer que chegar em casa e encontrar as
pessoas que você escolheu para viver ao seu lado? Que tipo de segurança você
tem vivendo uma vida dessas? Que tipo de laços você faz? E o mais importante:
de que serve viver todas essas experiências sem ninguém ao seu lado para
compartilhar dos melhores momentos? Se o objetivo é ter história, de que serve
se nunca haverá a quem conta-las? A vida não se resume a apenas subsistir.”
NOCAUTE! Lá estava eu no chão outra vez, me afogando naquele
monte de pensamentos e opiniões divergentes. Os dois tinham seu ponto de vista
e estavam certos de acordo com aquilo que acreditavam. Saí do bar pouco tempo
depois, pensando se poderia – ou deveria – me encaixar em algum daqueles
estilos de vida. Me vi sem saber se queria ser como o rapaz do violão ou como o
homem refinado da taça de vinho.
Nesse meio tempo, melhor continuar com meu jeito, sei lá,
todo assim, meio indescritível. É o que faz meus olhos brilharem por enquanto.
Mas, definitivamente, coloco agora no papel o modo de vida daqueles homens
justamente por não conseguir entende-los bem. Quem sabe, quando ler isso aqui
novamente, eu possa compreender melhor o por que de eles serem tão diferentes e
igualmente tão fascinantes.
Eu acho que eu faço exatamente o que o cara do violão faz... mas ao mesmo tempo cometo as mesmas ações do senhor do vinho tinto. Seria eu uma mistura de tudo?
ResponderExcluirVamos vivendo sem extremos por enquanto!
Ótimo texto, consegui imaginar a cena :)
Alê, agora sim tem mais fotos da sessão 'não encoste nesse animal' hahahahaa
ResponderExcluirAi esse texto maravilhoso ♥
Ser indescritível pode ser a solução, desde que a dúvida seja evitada e a vida seja vivida.
ResponderExcluirAcho que é uma questão um pouco cultural,perspectiva.
Tu escreves tão bem! Adorei teu blog, cheio de paz e harmonia (: