Lendo as linhas do texto que conta a história dos meus dias,
deparo-me com um sem-número de incompletudes, frases abertas, ideias fragmentadas.
Parênteses abertos que dão vazão a interpretações que se
perdem no tempo e espaço --- o que pode caber entre parênteses? Uma frase? Uma
ideia?
... Uma vida?
Cá entre nós, muito entre aspas, abro parênteses por todo
caminho que trilho, e já não sei onde começa uma frase e onde se inicia outra e
a falta de pontuação me faz ficar sem fôlego ao ler e clamo enlouquecidamente
por uma vírgula que possa enfim me permitir inalar o ar que me envolve ainda
que pesado e frio mas necessário para me manter vivo e me pergunto já sem
aguentar se um dia vou encontrar meu ponto final.
Meus caminhos tortuosos copiados a lápis sobre o papel, como
se assim, ao apagá-los, eu pudesse reescrever o passado. Tolo de mim, que ainda
não entendi as lições de outrora e me vejo obrigado a repeti-las, numa
tentativa desesperada de vencer os fantasmas de ontem que vivem em mim.
Meu destino incerto não me permite a segurança de fechar um
ciclo.
Não consigo fechar um parêntese sequer, e é um tanto estar
entre vírgulas que me vejo um aposto de mim mesmo, esmiuçando o óbvio a todo
momento.
Meu dia a dia é um vis a vis num reflexo infinito no espelho.
As ruas dessa cidade são convidativas pela noite. Gente lá e
cá, um ar fresco e calmo, um ir e vir de carros e pessoas. Tudo parece muito
bem orquestrado.
Sento no banco de uma das praças, aquele meu preferido.
Acima, estrelas tímidas e escondidas pelas luzes artificiais que vêm dos postes
e edifícios. Ao meu lado, casais e grupos conversando, rindo e vivendo.
Sentindo.
Respiro fundo --- um suspiro. Sinto o ar povoando cada
avenida do meu corpo, indo visitar cada órgão, mas sempre que chega no coração
acha a casa vazia, e volta.
Meus pensamentos ficam confusos. Será que tem alguém lá
trancado? Eu simplesmente já não sei abrir o que sinto aos outros e me escondo
num cantinho? Ou está vazia, e como aquelas casas abandonadas, todos temem
chegar perto?
Mas eu lembro de alguém morando lá. Sim, costumava estar
sempre bem iluminado, de janelas com flores e batimentos sadios, esse coração.
Eu regava cada plantinha --- uma para cada letra do seu nome --- e as via crescer,
feliz.
Porém, quando quis mostrar você aos outros, eles te fizeram
murchar. Minhas tão amadas plantinhas. Minha visita preferida.
Então você se foi, e eu tranquei essa porta. Todo aquele
julgamento sobre quem eu permito entrar no meu coração me fez esquecer onde eu
guardei essa chave. E foi aí (agora me lembro!) que começaram os terremotos
nesse meu tão amado lar.
Batimentos acelerados que faziam tremer cada metro quadrado.
Falta de ar que mataram seu nome, cada letra dele.
Olho para o céu.
As estrelas continuam tímidas.
Sinto a primeira gota salgada chegar ao meu lábio --- não
percebi que estava chorando. Vamos, ar: percorra as ruas de novo! Cérebro, meu
tão bom aconselhador: me mostre o caminho de volta à calma! Dentro de mim, me
perco e por vezes saio e nem sei onde estou...
---//---
Levanto-me enfim do banco. Quanto tempo se passou dessa vez?
Será que alguém percebeu?
Acho que é hora de voltar para casa: a grande mesmo, onde
meu corpo tenta descansar. Uma última olhada ao céu, um pequeno perceber do que
há ao redor.
O prédio onde moro, ironicamente, mostra um coração.
- Para esse coração eu sei o caminho!
Ali, de pé e a pé, começo a contar os passos até lá. Vou
decorar cada centímetro até o lar! Vou finalmente saber o caminho e ensinar
para o ar --- do pulmão até ali é um pulo! Quem sabe, assim, meio que sem
querer, não ache a chave por aí.... Quem sabe eu entre, tire o pó das coisas, replante
seu nome e vá regar de vez em quando.
---//---
Falta de ar, batimentos acelerados.
Mas dessa vez, é por lembrar de você. É aquele sentimento
bom de sentir.
Bem-vindas de volta, borboletas no estômago. Não
vou deixar julgamento alheio nenhum afugentar vocês dessa vez.